Na edição de domingo (26), a Gazeta de Alagoas publicou, no caderno de Municípios, reportagem assinada por este blogueiro sobre o projeto da Diretoria de Cultura de Porto Calvo que deseja transformar o passeio de barco no rio Manguaba em roteiro turístico. Reproduzo aqui o relato da incursão de 42 km que fizemos do porto do Varadouro à foz do Manguaba, em Porto de Pedras. Boa viagem, quer dizer, boa leitura!
O passeio

Em Formação de Alagoas Boreal, o antropólogo alagoano Dirceu Lindoso revela que para se conhecer uma das linhas de colonização de Alagoas é importante uma subida do Rio Manguaba, a partir de Porto de Pedras, até o Varadouro, em Porto Calvo, ao Norte do Estado.
A Gazeta seguiu o rumo inverso. A convite do diretor municipal de Cultura, Adelmo Monteiro, e na companhia do hoteleiro Ronaldo Uchoa, descemos o rio num pequeno bote a motor de 6,5 HP pilotado pelo pescador Gilvan dos Santos. O objetivo da incursão – informou Monteiro: levantar dados técnicos para viabilizar um roteiro turístico pelas águas do histórico Manguaba.
Embarcamos às 9h45 no porto do Varadouro, onde esculturas lembram a gênese lendária da povoação personificada na figura do “Velho Calvo” e no movimento frenético de entrada e saída de mercadorias que ocorreria a partir das últimas décadas do século 16, quando os irmãos Christopher e Sibald Linz deram início à colonização da região.

Na manhã de quarta-feira (15 de maio) caía uma chuva miúda, quando seu Gilvan esticou a corda e deu a partida no motor. “Em quilômetros eu não sei, mas são duas horas de relógio até a boca do rio”, informava o pescador, ao ser indagado por Uchoa sobre a distância entre o porto do Varadouro e a foz do Manguaba, em Porto de Pedras.
Seriam 42 km singrando águas turvas e profundas, numa viagem não só de recreio ou de matar saudades – como bem descreveu Lindoso – mas viagem histórica, de aprendizagem ao vivo dos engenhos de açúcar que colonizaram a Alagoas Boreal.
Em suas margens, ficavam estrategicamente postados dez engenhos de cana-de-açúcar e pelos seus afluentes, outros mais. “A localização de Porto Calvo como polo de colonização foi um ato de estratégia política do sesmeiro Christopher Linz ou um ato de estratégia política do donatário que lhe doou a sesmaria (…) E de estratégia econômica: as facilidades dos transportes dos açúcares pelos rios menores – Mocaitá, Comandatuba, o Grapiúna, o Carão – uns levando os carregos diretamente ao Manguaba, e os dois últimos às praias do Bitingui, do Japaratuba e do São Bento”, descreve Lindoso.

A produção açucareira naqueles moldes cessou, mas as propriedades rurais são denominadas ainda hoje de engenhos ao invés de fazendas ou sítios. Um deles é o Estaleiro. A estrutura onde o engenho a vapor funcionava desabou recentemente sobre o que restou do maquinário de fabricação inglesa. Os engenhos a vapor integraram a última fase dos banguês, que precederam a usinização da produção açucareira.
Em frangalhos, o bueiro (chaminé) resistiu como símbolo daquela época áurea e ainda pode ser avistado do leito do rio, durante o passeio de barco. A viagem segue pelas águas que, nesta época do ano, ficam barrentas em função das chuvas. A região do Manguaba tem índices pluviométricos entre 750 mm e 1400 mm, sendo os meses de maio a setembro e de outubro a abril, respectivamente, os períodos de chuva e estiagem.
O barquinho passa pelo localidade conhecida com Lamarão. Ali, segundo Monteiro, uma barcaça que fazia o transporte do açúcar, entre Porto Calvo e Porto de Pedras, foi a pique. “Dizem os mais velhos que em períodos de estiagem ainda é possível ver parte da embarcação que naufragou. Meu desejo é fazer uma sondagem aqui, com mergulhadores profissionais, para ver o que encontramos”, relata o diretor de Cultura.
À margem esquerda, surge o povoado de Caxangá, um dos maiores de Porto Calvo. “O curioso são os traços físicos dos moradores do Caxangá. São indivíduos altos, loiros e de olhos azuis, descendentes dos holandeses que aqui estiveram a partir do século 16”, cita Monteiro.
Numa velocidade de aproximadamente sete nós, o barquinho nos leva por entre baronesas de flores azuis, também conhecidas como damas-de-lago. Nas margens, frondosas ingazeiras e canoés deitam sombras sobre as misteriosas águas do rio.

A chuva cessa e os raios solares lançam luzes que aumentam o contraste das cores, valorizando infinitos tons de verde. Fragmentos de mata atlântica nos topos dos morros emolduram o cenário, cintados por plantações de cana-de-açúcar, nos sopés. Um pássaro nos acompanha e se apresenta em acrobacias, dando rasantes, flanando. Um peixe enorme salta a nossos olhos. Exibe-se.
Mais e mais comunidades ribeirinhas brotam pelo caminho. Avistam-se grupos de lavadeiras, pescadores, vaqueiros a tanger o gado. Outros madornam à margem, em barracas. A vida passa devagar por estas paragens, assim como o rio que, em certos trechos, se entrega ao remanso e, mais à frente, se faz avexado.
À medida que a foz se aproxima, o Manguaba vai ganhando corpo e as margens vão se afastando cada vez mais, ofertando passagem ao mundaréu de água em borbotões, ao encontro do mar. Entre Porto de Pedras e Japaratinga, o solitário pescador Samuel Galdino dos Santos, 45, captura siris, bagres e carapebas.
Do rio, ele tira o sustento da família em três, quatro incursões semanais, sobre a canoa. “Isso aqui (o rio) pra mim é tudo; é a minha sobrevivência”, resume o pescador. O trajeto de 42 km foi percorrido em duas horas e quarenta minutos. Chegamos à boca do rio às 12h25 e ficamos por ali, apreciando a paisagem.

A foz do Manguaba é um deslumbre, sobretudo ao entardecer. A luz branda do astro-rei se escondendo no horizonte, por trás da linha do coqueiral, lança tintas na tela celeste, refletidas nas águas do rio. Imponente, lá do alto, o farol da Marinha acompanha tudo, como um atalaia empedernido.
O Mamanguaba – nome que lhe botaram no passado os índios de língua tupi, é o mesmo Manguaba – corruptela da palavra abreviada pelos colonos – que continua a encantar nativos e turistas que visitam a Costa dos Corais.

Severino, bela matéria! Um passeio pela história! Quantas histórias maravilhosas, inclusive de lutas, este rio não presenciou?
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Uma “viagem” através da nossa História sempre é salutar para todos nós! Excelente reportagem. Meu abraço amigo.
Severino Cassiano Ferreira.
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Linda matéria, pena que o rio continua a receber descarga de dejetos derramados pela Usina Sta Maria. IBAMA e outros órgãos, fazem vista grossas para o caso, deixando a poluição a vontade desses usineiros.
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Ola Senhor Severino,bela materia sobre,este belos rio da regiao norte do Estado,infelizmente o poder publico nao cumpre sua obrigacao para com o meio_ambiente.
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